A guerrilha entre a Essência e o Amor em O Milagre, de Nicholas Sparks

23:57


   Alonguei o tempo o máximo que consegui, até encarar o inevitável - uma página pura, alva, imaculada, esperando seu tempo para também ser parte de algo. Dispensado a poesia barata, eis que o momento chegou e eu continuo a evitá-lo. 

Não sei o que escrever sobre O Milagre, porque, ao todo, esta não foi uma das melhores leituras da minha vida, tampouco foi uma das piores. Foi apenas algo que li, como encarte de jornal, absorvi algumas coisas e refleti sobre elas, mas nada senti durante o processo. Quando meus olhos pararam sobre os três números enfileirados que marcavam a última página, o que se passava em minha mente era - Por que eu comprei esse livro mesmo?

Bem, eu comprei esse livro há muitos anos, precisamente a cerca de três anos no pretérito mais-que-perfeito; a garota que eu era, em tal época, estava disposta a se aventurar por romances e, após ler várias resenhas de O Milagre, também estava dobrada a imergir na leitura, mesmo não sendo fã do autor. Quem se importava? Ela não se importava! Queria, na verdade, desesperadamente gostar da história e pular para os outros livros do Nicholas Sparks. Algo que nunca aconteceu, contudo.

A primeira vez que eu o peguei para ler, eu tinha 15 anos e, por causa das temidas provas de Física e de Química, parei por volta da página 80. Mais de dois anos depois, decidi que o tal exemplar já passara muito tempo ocupando a minha estante; eu estava sem dinheiro e com fome de livros, e decidida a trocar ou vender livros que eu não gostava. Então, respirando muito fundo, eu sentei e li. O começo, admito, é interessante, mas a história nunca conseguiu me envolver. A Isabelle de 14, 15 anos adoraria o romance súbito que amarra o destino do protagonista a Lexis; a Isabelle que conta os dias, em desespero, para completar 18 anos de existencialismo mórbido, porém, prefere histórias mais complexas, com relações bem desenvolvidas por meses de convivência, de conhecimento mútuo e de confiança. Eu sei que é o autor dos livros é quem ele é, mas não custa nada ter um pouco de esperança...
Vestido de preto da cabeça aos pés e com a aparência de alguém sempre pronto para ir a um velório, Jeremy Marsh reflete em seu estilo uma forte vocação para encarar a vida de uma forma racional. Badalado pela mídia, respeitado pela comunidade científica, aos 37 anos o jornalista assina uma coluna na prestigiosa revista Scientific American - sem, contudo, emplacar um relacionamento feliz. A saída que Jeremy encontra para exorcizar o fantasma de um casamento desfeito é negar a existência de outros tipos de fantasmas: aqueles que arrastam correntes e aparecem sob lençóis.
Seu trabalho como freelancer já o fez viajar pelo mundo à cata de lendas urbanas como a do monstro de Losh Ness. Por isso, não se surpreende ao receber a carta de Dori McClellan, uma senhora com poderes divinatórios que o convida a investigar as misteriosas luzes de Cedar Creek, um antigo cemitério de escravos que teria sido alvo de uma maldição.
Acionando seu agente e um cameraman tatuado e beberrão, Jeremy deixa Nova Iorque e parte em direção ao sul dos Estados Unidos. Essa é a terra da sofrida Lexie Darnell - alguém que longe de ser uma mocinha ingênua do interior, se mostra vacinada contra os avanços de qualquer conquistador da cidade grande. Mas será que um forte sentimento pode ultrapassar as fronteiras que separam a fé da descrença?

O livro não ruim. A narrativa, sinceramente, flui fácil e as personagens são interessantes. Porém, há dois grandes problemas que estragaram um história que tinha tudo para ser incrível: o romance fácil e a resolução do caso das luzes misteriosos ainda mais fácil. Ambos me irritaram muito, principalmente a resposta para o mistério do cemitério de Boonie Creek. Tudo foi resolvido tão rápido e tão estupidamente fácil, que eu fiquei me perguntando o motivo de o autor lançar um plot tão interessante para desamarrá-lo sem usar as devidas potencialidades que ele poderia proporcionar. 

[SPOILER ON] Eu adoraria ver o prefeito pagando pela sua artimanha ou, sei lá, tentando assassinar o Jeremy para impedi-lo de revelar a verdade ou qualquer outra coisa que não aquele final patético. [SPOILER OFF]

Quanto ao romance, bem, não dá para levar a sério dois seres humanos que mal se conhecem a dois dias e acham que já estão tão enlouquecidamente apaixonados a ponto de um ser capaz de ignorar anos de amizade e de trabalho duro pelo outro. Às vezes, é bom ler um romancezinho fofo e fácil para nos fazer continuar a acreditar no poder do amor, mas, infelizmente, eu não estava nesses  dias. 

Bem, fora esses dois detalhes, não tenho o que reclamar. É uma leitura rápida, pois as personagens são muito simpáticas e divertidas, assim como as suas histórias, o que me deu alguma motivação para prosseguir com leitura. Ademais, esse livro me fez levantar questões que eu finjo não existir. A Lexis vive em um dilema entre abandonar as suas raízes ou abandonar a sua última esperança no Amor. Isso me fez pensar na minha própria relação com a minha descendência, com os costumes e com os valores que me marcam, mesmo que eu não os queira em mim. Também fico pensando se eu seria realmente capaz de me desprender das minhas raízes, e que bem me faria trocá-la por outros valores advindos de outras realidades distintas da minha - mas que a maioria aceita como a realidade da realidade da vida deles. Muito confuso? Também acho!

Se a Lexis teme perder a sua essência por causa de outra tentativa dolorosa de amar, eu temo me perde em meio ao bombardeamento cotidiano da cultura externa - dos heróis que ostentam estrelas sobre cores azuladas e avermelhadas, heróis que aceitam como se fossem próprios da Pátria Mãe; da moda de roupas por cima de roupas, calças apertadas que causavam comichão no calor do Sertão e blusas com mangas muito longas e colarinhos apertados que sufocam o pescoço da pobre coitada; das Marcas que significam nada; dos objetivos inúteis que todos afirmam, com o mesmo tom de verdade universalmente aceita, serem irrevogavelmente necessários à sobrevivência; e dos sonhos enlatados, vendidos pelas pessoas que deveriam nos fazer crescer como humanos racionais, críticos e independentes. 

Duvido que seja possível ainda ser autêntico no século do Reciclismo!

E o Nicholas Sparks não colabora para que eu pense de outra forma. Para mim, ele é o tipo de autor que possui uma fórmula pronta, só muda o plano de fundo e os nomes das personagens. Nunca li outro livro e não o farei enquanto poder evitar. Antes que alguém me queime: Não acho ele um escritor ruim, só não gosto do tipo de história de amor sobre o qual ele escreve.

Por fim, se você quer ter realmente certeza se deve ou não ler O Milagre, recomendo esse livro para pessoas que:
  • Gostem do típico romance "Eu olho para ela, ela olha para mim, e é amor"
  • Apreciem uma boa personagem feminina forte, inteligente e segura de si 
  • Gostem muito de DRAMA
  • Não se importem com finais frustrantes e completamente óbvios
  • Gostem de personagens complexas e profundas, que, ao longo da história, realmente crescem e mudam, transformando-se em pessoas melhores dispostas a não deixar que os medos do passado interfiram nas suas felicidades futuras
  • História completamente óbvia

Se você não se encaixa em pelo menos três desses tópicos, O Milagre, definitivamente, não é para você.



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