Questões metalinguísticas

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Escrever nunca foi uma opção nem tão pouco impulsão. A escrita consumiu minhas horas de mocidade, dias fechada dentro de mim, visando alcançar o soberbo título de autodidata em poesia prosaica. Felizmente, a escrita me fez amadurecer cedo, o drama da adolescência atingiu-me ainda no começo desta, apesar de se ter alongado por anos terríveis, em que a minha mente travava guerra civil com o meu corpo, personificando nele os anseios de toda uma geração deturpada pelos valores da hipermodernidade. Eu, com todas as minhas eternas questões ontológicas, também fora prisioneira da cultura de massa. Todavia, os livros, não os humanos, ajudaram-me a emergir de mim mesma; após essa fase hiperbólica de reinvenção de valores e de perspectivas, a metamorfose surgiu como consequência inerente à passagem de menina a mulher. Em meio a isso, a escrita sempre se manteve como uma âncora emperrada à realidade, a qual me impedia de derivar, completamente perdida na insanidade que é a mente humana. Tanto eu aprendi nesses últimos anos: aprendi a como utilizar o eloquente ponto-e-vírgula sem o fazer parecer deslocado do contexto, aprendi a me arriscar em parágrafos longos e em frases curtas de impacto, aprendi a deixar florescer as ideias certas e a deixar arejar as que ainda precisam se desvendar, e aprendi a fazer poesia em prosa, apesar de não conseguir arranjar prosa em poesia. Hoje, posso afirmar com uma dose pomposa de orgulho de mulher jovem que encontrei a minha própria voz literária; mantê-la constante, porém, persiste em ser dificultoso, porque eu sou transitória, como o vento; necessito estar vagando e mudando a todo o momento para continuar viva, necessito desbravar o mundo e experimentar um pouco de tudo – para mudar. O imutável me apavora. Ele não é natural, e eu não o quero em mim.

Finalmente, a escrita é parte de mim, como os meus dedos e a minha feminidade o são. A escrita surgiu como rota de fuga mesclada à permanência na sobriedade pragmática da realidade, e terminou por enveredar-se por minhas fragilidades e apoderar-se de meus atos, fazendo-me um jogo instável de palavras que, simplesmente, vazam, ao acaso. Escrever é a única coisa que eu sei verdadeiramente fazer, além de matar tempo – sou especialmente brilhante nesta categoria de antecipar os dias de finado!

Porém, por mais que a minha escrita tenha amadurecido, as palavras continuam a ser representações de minha particular perspectivas acerca dos nuances da vida. Nada é real; é tudo um inventário de palavras escravizadas à sua condição dicionarizada – às vezes, atrevo-me a reinventá-las, mas só às vezes. Não apenas a minha escrita é assim, mas também a de muitos, pois são poucos, muito poucos, os que receberam o dom dos Deuses de personificar em outras formas a essência da matéria inatingível. Mesmo entre esses agraciados, a sensação passada pelo texto nada mais é do que o ponto de vista do autor, não a completa veridicidade do objeto retratado. Acho que nós, humanos, estamos fadados a isso: jamais tocar a essência das coisas, apenas as circular com nossas falsas certezas.

Apesar de não ser adepta ao positivismo, concordo fervorosamente com a afirmação de Comte de que o âmago do fato nos é inalcançável. Ao contrário dele, no entanto, persistirei a procurar por algo que nunca encontrarei – o sentido de minha existência, o primórdio da vida, a transcendência do ser etc. Essas são as questões que me compelem, por diversas vezes, à escrita. Julgo que através dela poder pincelar uma ficção em que darei vida para explorar os extremos da ética, da moral, da razão, da sanidade, da depressão e de todas as tantas sensibilidades insustentáveis da humanidade. É por isso que escrevemos – para retirar o barulho da mente e para tentar compreender a História.

Enquanto acreditar que as pessoas não poderão jamais ser reduzidas à condição de palavras, continuarei escrevendo e buscando o reflexo do conhecimento na escrita, seja na minha ou na dos demais autores.
I. R. Sampaio


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