City of Glass, Cassadra Clare
21:37Primeiramente, gostaria de comentar que este livro é muito especial para mim, porque foi o meu 150° livro lido. Oba! Não que eu ache essa quantidade de livros digna - acho pouquíssima, na verdade -, mas, de qualquer forma, após cento e ciquenta livros, a minha interpretação amadureceu bastante, a menina que hoje lê, não é a mesma que o fazia há um ano atrás. Eu aprendi a reconhecer as sutilezas da narração e as fontes de inspiração do autor, a detectar, logo no começo, o termino do plot e das personagens e as jogadas de metalinguagem e de intertextualidade que enriquecem a história. Eu não sei se é uma coisa minha, mas eu descubro o final muito rápido, até mesmo em clássicos renomados, como em 1984 - nas primeiras páginas, eu já afirmava, toda irônica, que o Winston acabaria... Bem, vocês sabem, não vou soltar spoilers. É muito irritante, porque eu gosto de finais que me surpreendam, que me façam ficar completamente alarmada, chocada, que me faça jogar o livro do outro lado do meu quarto; mesmo assim, eu engulo esse incômodo e tento ignorar o que a minha mente insiste em afirmar.
City of Glass é um daqueles livros que você já sabe como vai terminar. Ponto. O interessante aqui, como em todos os outros livros, não é o final, mas o caminho sinuoso que levará a ele. Quando se lê muitos romances fantásticos voltados ao público juvenil, como eu faço (podem me julgar), até esse caminho se torna óbvio e tedioso, cheio de clichê por cima de clichê, recheado com clichê, salpicando mais um pouquinho de clichê em cada nova página, só para ter certeza de que não há clichê na dose exata. Eu não acho clichê negativo, porque acho que é humanamente impossível criar uma história completamente original. Praticamente todas as histórias já foram contatas. Porém, isso não significa que todas elas devem ser contadas da mesma forma, é necessário ter aquele diferencial que nos leve a pensar que nunca antes havíamos lido algo parecido.
City of Glass é um desses livros.
" - What is not normal is the discount I'm giving to you."
Para os desconhecidos, City of Glass é o terceiro livro da saga The Mortal Instruments. Nesse que deveria ser o último livro de uma regular trilogia, temos o desfecho do plot de Vanlentine e de seu Círculo e a conclusão das personagens.
Clary está à procura de uma poção para salvar a vida de sua mãe. Para isso, ela deve viajar até a Cidade de Vidro, lar ancestral dos Caçadores de Sombras, criando um portal sozinha. Só mais uma prova de que seus poderes estão mais sofisticados a cada dia. Para Clary, o perigo que isso representa é tão ou menos assustador quanto o fato de que Jace não a quer por perto. Mas nem o fora de Jace nem estar quebrando as regras irão afastá-la de seu objetivo: encontrar Ragnor Fell, o feiticeiro que pode ajudá-la a curar a mãe.
A base de The Mortal Instrumenst é a mesma de sempre: Você pega uma menininha normal e a joga em um mundo fantástico, onde ela é uma pessoa importante e poderosa, essencial para salvar o mundo. Então, em algum ponto da narrativa, você faz essa menininha se apaixonar pelo guerreiro poderoso e, aparentemente, frio e insensível. Ela, claro, tem um melhor amigo que, além de ser engraçado, é apaixonado por ela. Juntos, eles viverão várias aventuras arriscadas, onde a menininha tem que ser sempre protegida por todo mundo e tudo o mais, até que, em um piscar de olhos, ela adquira poderes também fantástico e salve o dia!
Porém, como eu já comentei, um dos principais pontos forte da saga são os detalhes que a diferencia de todas as outras. Pois bem, o grande diferencial é a personalidade das personagens. É incrível como eles são único e extremamente humanos. Não há uma dicotomia entre bem e mal, certo e errado, há apenas pessoas sendo movidas pelos seus interesses, pelo seu orgulho, pela sua dor, por sentimentos reais e palpáveis. Elas são densas e profundas, diferente das personagens de dezenas de outras sagas que eu já li. Elas crescem e mudam, esforçam-se para serem pessoas melhores (ou não).
Em City of Glass, nós vemos como os acontecimentos anteriores influenciaram na maturação de suas personalidades. O Simon, por exemplo, passou de um garoto assustado e ciumento para alguém forte, consciente de seu papel na modificação daquela decadente sociedade em que shadowhunters e downworldes são inimigos. A Clary, também, cresce muito, reconhece que tem importância e que tem o poder necessário para salvar as pessoas que ama e para lutar por aquilo em que ela acredita. O Jace, sobretudo, foi quem mais me surpreendeu, porque, bem no comecinho da saga, ainda em City of Bones, eu afirmava bem alto para quem quisesse ouvir que ele acabaria sendo o típico interesse amoroso da personagem principal, como o Patch: ciumento, fofo, romântico, possessivo, todo poderoso, com um lado sombrio e todo aquele gigantesco clichê de sempre. Porém, a cada novo livro, eu descobria uma nova nuance do Jace e me apaixonava cada vez mais por ele. O Jace é o Jace! Ele é um personagem inteiramente único, especial e interessante! Ele é simplesmente perfeito! E isso não se deve apenas ao seu delicioso sarcasmo!
Eu preciso escrever um parágrafo exclusivo para ele, porque ele merece. Ele merece mais, na verdade, merece um livro inteiro sobre ele! Bem, deixando as minhas exaltações de lado, como eu estava dizendo, eu esperava que o Jace fosse ser o típico homem dos sonhos de todas as garotas (algo que ele realmente é), porém o que eu não esperava era que ele fosse ser mais complicado do que isso. Ao longo dos livros, nós entendemos, através de sugestões sobre a infância dele, o motivo pelo qual ele sempre age como se fosse inabalável. O Jace é corajoso, sem dúvidas, mas não de um jeito heroico, ele é bravo de uma maneira trágica. Ele não tem limites, ele não tem pensa se irá morrer ou viver, ou se alguém irá se importar sobre isso, porque foi ensinado, desde pequeno, que os sentimentos que o ligavam à humanidade eram desnecessários. Jace deveria ser um guerreiro, nada mais. Ele é perspicaz, charmoso e habilidoso, como Valentine o treinou para ser, porém, ele, como todo ser humano, não consegue se desvencilhar completamente dos seus sentimentos. Ele passa todos os três livros em um constante e intenso conflito interno entre o que foi dito para ele ser e o que ele gostaria de ser. Se pararmos para pensar só um pouquinho, no que somos diferentes dele? Eu, você, ele, tentamos, todos os dias, sermos autênticos, únicos, tentamos não nos permitir ser influenciados pelas ideias dos outros, contudo, o que realmente há de nós em nós? Será que essa pessoa que você acredita ser é realmente você, ou será ela apenas outro reflexo do momento histórico ao qual estamos inseridos?
(A partir daqui, há spoilers!)
O Jace é o personagem mais existencialista da história. Ele está a todo momento tentando descobrir se ele é apenas uma cópia do pai ou se ele é a pessoa que ele escolheu ser. E, até que ponto os "experimentos" que Valentine fez nele - e na Clary - influenciaram a personalidade dele. Quando ele encontra o anjo Ithuriel e é levado a acreditar que tem sangue de demônio, ele se afunda tanto nessa crise existencialista, a ponto de aceitar os seus desejos pela Clary, não porque ele a ama, mas porque ele é uma criatura vil. Ele acha que o seu amor por ela, que, supostamente, é a sua irmã, decorre do sangue demoníaco que corre em suas veias , não da humanidade em si. É muito interessante ver um personagem tão forte e inteligente, afundando-se, perdido, dentro de si.
" - You said you just wanted to be my brother from now on.
- I lied - he said. - Demons lie, Clary (...)"
Outros personagens que merecem menção honrosa é o Valentine e o Sebastian. Como o Jace, eles são profundos e interessantes, se nós não olharmos com cuidado, cometeremos o erro de subestimá-los.
Valentine é o vilão da história. Ele tem o sonho de reformular a Clave e de trazer grandeza ao seu povo. Esse sonho é maior do que todas as suas necessidades, do que todos os seus desejos, ele dá tudo e ele perde tudo para ver a realização de seu sonho. O mais intrigante é a atmosfera de dúvida que paira sobre ele - nós nunca temos a certeza se ele é realmente cruel ou se, por baixo daquela camada frívola e calculista, ele é capaz de amor. O que vocês acham? Será que ele realmente amou a Jocelyn? Ou ele era obcecado por ela? Ele amou o Jace? Como ele se sentiu matando-o? Ele sentiu culpa? Ele é capaz de sentir culpa? Eu acho que sim. Eu acho que ele se sente culpado por ter criado um ser tão destrutivo e perverso quanto o Sebastian.
Falando no Sebastian... Eu nem sei sobre o que comentar! Ele é uma daquelas personagens essencialmente malvadas, amorais e egoístas! Todos os sentimentos dele, até mesmo os que deveriam ser "bons", possuem uma enorme dose de egoismo e, atrevo-me dizer, de loucura. Ele não gosta das pessoas, ele cria uma espécie de desejo de as possuir, de as ter unicamente para si. É maravilhoso ver algo assim.
(Spoilers OFF)
Porém, se o ponto forte da história é as suas personagens, o ponto fraco também o é. A Cassandra Clare tem um talento nato para criar personagens únicas, porém faltou explorá-las, tirá-las de suas zonas de conforto e tentar encontrar o limiar da razão e da loucura, o momento exato até o qual elas são capazes de resistir. As únicas personagens que ela realmente conseguiu desenvolver de forma brilhante foram o Jace (sinceramente, é perfeito, não me canso de dizer), o Simon e a Clary. As outras, principalmente as secundárias, tornavam-se um pouco avulsas e incompletas.
O livro acabou, mas a pergunta não morreu: Qual a motivação do Valentine? O que o fez parar e pensar: Meu sonho é restaurar a grandeza da Clave? De onde veio esse sonho? Um dia ele acordou, olhou para a janela e pensou: Nossa, eu sou o único que pode salvar a Clave dela mesma! Sério? Eu não consigo acreditar que as pessoas sejam tão simples assim. Eu acho que se a autora tivesse desacelerado a narrativa e explorado a maravilhosa história que ela tinha nas mãos, ela não precisaria escrever outros três livros para responder às perguntas que se acumularam pelo caminho. E há muitas perguntas pelo caminho.
" - Tell me you're not a monster. Tell me there's nothing wrong with you.
And Tell me you would want me even if you didn't have demon
blood. - Because I don't have demon blood. And I still want you."
Eu tenho essa sensação horrível de que eu não conheço a mitologia da série. Eu sei descrever todo o mito da "Criação" e a história sobre o Círculo, mas, fora isso, o que eu sei? Há Institutos espalhados pelo mundo, ok. Há demônios vindos de outra dimensão, ok. As espadas deles são translúcidas e possuem um brilho azulado, ok. Eles vestem branco e queimam os seus mortos, ok. Há os Irmãos Silenciosos, ok. Há a Clave, ok, ok. Agora, expliquem-me como isso funciona, por favor! O portal simplesmente se abriu e...?Como a Clave funciona? Por que eles fundaram a Clave? Quem? Como? Quais são os conhecimentos necessários para ser um Shadowhunter? Basta saber chutar? Qual a mitologia por trás dos demônios, dos lobisomens, dos vampiros, dos warlockes? Alguém pode argumentar que warlockes têm sangue de demônio. Verdade. Mas, como eles nasceram? Foi por divisão binária? Que bizarro! E sobre os anjos? Nenhum mito? Por que não? Há tantas estatuas de anjos espalhados por todos os lugares, mas nenhuma história sobre eles? Mentira, há uma sim, descobrimos ela nas últimas páginas do livro, mas o único motivo de ela existir é para deixar um clima de suspense sobre a possível família do Jace.
" - Not everything, Jace, is about you.
- Possibly, but you have to admit that the marjority of things are"
Outra aspecto negativo foi a falta de... Qual seria a palavra adequada? A falta de "respeito" ao Círculo. Ele existe, todos nós sabemos, mas, eu não sinto como se as pessoas realmente o temessem ou o levasse a sério. As pessoas falam dele como se ele fosse uma brincadeira de criança boba. Não há aquela densidade, aquele pavor, não há sussurros, as pessoas não parecem envergonhadas. Simplesmente, eu não conseguia acreditar que um dia ela existiu. Na minha opinião, a história do Círculo ficou muito deslocada no contexto geral da narrativa. Se desaparecessem com ele, o que mudaria? Com ou sem o Círculo, o Valentine faria os experimentos dele, influenciara as pessoas, pediria para o Luke se matar etc. A única coisa que mudaria de verdade seria a primeira invasão à Clave. Somente.
Eu senti falta do desenvolvimento de uma mitologia própria. E isso me decepciona bastante. Talvez, nos próximos livros, a autora consiga explorar o universo que criou. Talvez. Depois de três enormes livros, não estou tão certa quanto a isso.
A narração é boa, flui rápido, rápido até demais! Outro ponto forte do livro é o sarcasmo! Rá! Há sempre alguém preparado para lançar um comentário afiado nos momentos menos oportunos! As personagens, no geral, são muito divertidas e carismáticas - como não se apaixonar pelo Magnus ou pela Isabelle?
" - You never called me back, - he said - I called you so many times and you never called me back.
Magnus looked at Alec as if he'd lost his mind - Your city is under attack, - he said - the wards have broken, and the streets are full of demons. And you want to know why I never called you?
- I want to know why you never called me back."
No entanto, há certas personagens que ficaram apagadas nesse livro, como a Maya, o Luke e o Magnus. Há momentos em que eles surgem, aparentemente, de lugar nenhum, literalmente. Quando a Maya apareceu, certa vez, no Hall, eu fiquei muito surpresa, porque eu não me lembrava que ela existia. Vamos ser realistas, o único propósito dela existir em City of Glass foi para desfilar blusas com frases divertidas e para "fundamentar" o triângulo amoroso dos próximos livros. Aliás, estou começando a acreditar que há alguma lei que obriga todos os livros do gênero YA a terem um triângulo romântico. Está começando a ficar forçado.
Ademais, eu acho que a Cassandra Clare poderia ter abusado do Alec, da Maya e do Luke para desenvolver a mitologia da saga. Eles estavam, cada um, em uma posição estratégica, apenas esperando o dia em que ganhariam alguns parágrafos dedicados aos seus pontos de vista. Ao invés disso, novamente, eu passei mais de 500 páginas perguntando-me o que o Luke estava fazendo, o que ele estava sentindo, onde ele estava dormindo... Enfim... Eu gostaria de saber mais sobre ele, também.
Eu fiquei satisfeita com o final. As pontas ficaram bem atadas, apesar de várias perguntas pairarem no ar. Esse é um livro muito enxuto, tudo que há nele deveria estar nele.
"For a moment their eyes met - and he looked at her, really looked at her,
and she realized it was the first time her father had looked at her in the face
and seen her. The first and the only time."
Resumindo: É um livro fácil de ler e de se apegar. As personagens são carismáticas e autênticas. A narrativa flui de forma constante e divertida. Há muito sarcasmo para todos os lados! Há fortes emoções, de verdade! Eu recomendo, porque ele conseguiu fugir do clichê na medida exata, apesar de que, para ser considerado um livro realmente maravilhoso e único, ele ainda precisa explorar - e muito - a sua mitologia.
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